História
por Miguel Santos, professor na Escola Secundária de Peniche.
"(...) A escola de desenho industrial de Peniche foi criada por Carta de Lei de 30-06-1887, no quadro da reforma de Emídio Navarro. O recente titular da pasta das Obras Públicas edificou novas escolas e ampliou as já existentes, recrutou pessoal docente no estrangeiro e mandou construir edifícios adequados ao ensino técnico. A sua reforma do ensino, introduzida pelo Regulamento das Escolas Industriaes e de Desenho Industrial, de 1888, estabelecia como objectivo das escolas de desenho industrial «ministrar o ensino do desenho com aplicação à indústria ou indústrias predominantes na localidade onde se acharem estabelecidas».
Apesar de originalmente visar a formação de operários para a indústria moderna, parte do ensino técnico-profissional ficou, afinal, refém das indústrias tradicionais já instaladas. Foi o caso de Peniche, vila marcada pelo predomínio de duas «indústrias» tradicionais: a pesca e as rendeiras. Em 1865, a pesca empregava cerca de 850 pescadores e operários de armação, numa indústria caracterizada por práticas tradicionais de pesca, utilizando embarcações a remos ou à vela, onde o vapor teimava pois em atrasar-se e o mar permanecia a principal via de comunicação a ligar Peniche ao resto do país.
A indústria de rendas de Peniche, que tem origem provável no século XVII ou XVIII7, ocupava essencialmente as mulheres, que vislumbravam nessa actividade uma forma de acrescentar estipêndios ao magro pecúlio das pescas.
Uma fonte importante na história local, da autoria de Pedro Cervantes de Carvalho Figueira, é relevante para compreender a importância das rendas em Peniche, actividade que ocupava então cerca de dois terços da população feminina, para além dos rendeiros, dos vendedores e das picadeiras.
A aprendizagem do ofício rendeiro começava aos 4 anos, quando as crianças do sexo feminino eram enviadas para escolas particulares. Em 1865 havia oito «escolas» que ministravam a arte de rendeira, mas, segundo Pedro Cervantes Figueira, acabavam todas por ensinar a «ler e a rezar»
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A Escola Industria de Peniche oferecia assim o seu primeiro curso ao abrigo do Decreto de 25 de Agosto de 1948 sem poder ministrar o Ciclo Preparatório. Foi em parte para resolver esse paradoxo que a câmara municipal de Peniche resolveu adquirir um novo edifício, uma antiga fábrica de conservas, propriedade da empresa «La Paloma», onde se procedeu a obras de adaptação que se estenderam até meados de Fevereiro de 1955.
A inauguração do novo edifício escolar, realizada com pompa e circunstância a 1 de Dezembro de 1953, contou com a presença das autoridades locais e distritais e do empenhado director do Ensino Técnico Profissional, Carlos Proença de Figueiredo. O director da escola, desde 1953, Alberto Marta Louro, louvou a doutrina económica do Estado Novo, lembrando que a «estruturação do ensino técnico» era a «base essencial da moderna actividade económica»: «É verdade axiomática, ser a técnica um dos principais factores do progresso económico».
O novo edifício começou a albergar o Ciclo Preparatório no final do 1.º período deste ano de 1953, iniciando com 42 alunos (30 rapazes e 12 raparigas), e tendo como plano de estudos as disciplinas de Língua e História Pátria, Ciências Geográfico-Naturais, Matemática, Desenho, Trabalhos Manuais, Religião e Moral, Educação Física e Canto Coral. O novo nível de ensino era a grande novidade na reforma de 1948. Com dois anos de duração, o curso tinha em vista preparar as crianças para o ensino técnico e conceder uma orientação profissional, objectivo que se consagrava através da disciplina de Trabalhos Manuais, que contemplava 6 horas semanais na carga lectiva global de cada ano. As orientações pedagógicas enviadas pelo ministério da educação às escolas confirmam tais asserções e a modernidade pedagógica deste projecto curricular: «O Ciclo Preparatório é uma escola de trabalho – trabalho em comum, do professor e do aluno.Os métodos a adoptar serão sempre os da pesquisa, da experimentação e do projecto».
Os alunos desenvolviam projectos e trabalhavam com diferentes materiais, como a madeira e o metal, aferindo-se assim a sua inclinação natural. Mas como bem observou Sérgio Grácio, notável era o peso curricular da sua formação geral, numa época em que a escolaridade obrigatória se confinava a três anos. Na verdade, a reforma de 1948 traduzia uma alteração na filosofia do ensino técnico, prescrevendo uma formação técnica que fosse acompanhada da educação intelectual, pois ao operário seriam úteis todos os conhecimentos que contribuíssem para a sua valorização pessoal e para o aperfeiçoamento das suas competências técnicas."
in "Contributos para a história do ensino técnico profissional em Peniche"